quinta-feira, 8 de março de 2012

Venho por meio desta declarar que recebi permissão para nascer, crescer, estudar, morar e trabalhar nesta cidade. Desta forma foi acordado que me seria pago uma indenização mensal pelos trabalhos por mim prestados logo que me mostrasse pronta para ingressar o mercado de trabalho.

O valor desta indenização prevê gastos com alimentação, moradia, vestuário e transporte. O lazer é oferecido gratuitamente pelo Estado através dos eventos organizados nas praças, ruas da cidade e outros locais culturais.

Com a "Indenização de Existência" consigo frequentar o que chamamos hoje de supermercados e que já foram anteriormente - quando não havia o soldo mensal - os refeitórios onde nos alimentavam ao longo de nossa jornada de trabalho. Os supermercados são muito atrativos: contém uma infinidade de produtos perfeitamente alinhados em prateleiras e divididos em setores; em alguns locais os produtos são deixados dentro das próprias caixas - exatamente como vêm das fábricas - para que nós mesmos, os consumidores, os retiremos delas.

Há também os shopping centers, locais geralmente amplos sem qualquer possibilidade de percepção da passagem do tempo ou recepção da luz solar. Antigamente eram grandes galpões de confecção, armazenagem e distribuição das roupas que recebiamos de nossos senhores para o desenvolvimento de nossas responsabilidades diárias na firma.

Sobre as atividades de lazer vejo pouca mudança. As praças públicas recebiam as caravanas com uma variedade de apresentações artísticas, alimentos, prazeres da carne, objetos de locais distantes. Há hoje um calendário na cidade e sabemos exatamente - com dia, hora e duração - quando as feiras acontecerão. Não mais são nômades as caravanas. No entanto ainda há tendas. Os anões e gêmeos siameses foram substituídos por mulheres ciborgues com seus grandes músculos, pele lisa e uma cor de pele amendoada mesmo no inverno. Os alimentos caseiros agora são produzidos em laboratórios e oferecidos em pequenas cápsulas coloridas.

O transporte mudou. Se antes morávamos em acomodações próximas aos feudos para que nossos senhores nos despertassem gentilmente ao alvorecer para que não perdessemos a hora. Hoje moramos a longas horas de distância do campo de trabalho. Dizem os governantes que facilmente nos deslocamos pela cidade através do transporte público. Dizem os trasnportados que se sentem como sardinhas enlatadas. Diria eu que somos ainda os imigrantes cruzando oceanos em busca de uma vida melhor.

No entanto a "Indenização de Existência" contempla benefícios inúmeros de falso prazer e supostas vantagens do um sobre o outro. Prevê inclusive reajustes anuais, o que realmente é uma maravilha e uma compensação para os superficiais momentos de dúvida sobre o papel que temos que desempenhar dentro de um projeto que não é nosso. E assim seguimos sobre a plastificada felicidade de cumprir nossas tarefas dia após dia com a absoluta certeza de não sabermos a que viemos e a sensação de dever cumprido.

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